Algumas hipóteses sobre gestões autônomas de arte contemporânea (1)

algunas_hipotesis_sobre_gestiones_autonomas

Artigo publicado originalmente em SACO II,
Abril de 2014 e incluído no  Diretório de Gestões Autônomas de Arte Contemporânea

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Seria bom aproveitar esta oportunidade. Vamos falar um pouco sobre algumas noções e conceitos relacionados ás gestões autônomas. Noções e conceitos que temos discutido desde 2011, em reuniões e conversas com muitos dos membros da Rede de Gestões Autônomas de Arte Contemporânea – América Latinadurante a elaboração coletiva do Acordo dos Trabalhadores de Arte Contemporânea2 e nas Mesas Redondas para Consolidar Cenas de Arte que nós coordenamos na Argentina e na Colômbia em 2013. E, claro, durante a II Edição da Semana de Arte Contemporânea de Antofagasta, organizada pelo coletivo de arte SE VENDE3.

São alguns dos conceitos que estamos discutindo, como hipótese, tentando entender certas recorrências e diferenças dos modelos de trabalho na América Latina. Esses modelos que surgiram em simultâneo em vários países desde 2001, após o período que chamamos de barcelonização da cultura que se estende desde o final dos anos oitenta4 até a crise econômica espanhola de 2012. Este processo trouxe um conjunto nocional que incluiu categorias como a indústria cultural, centros culturais e espaços independentes e que se desenvolveu como uma política cultural pública financiada por governos estrangeiros5 e empresas multinacionais6; e, o que é talvez mais importante, afetou a forma como as políticas públicas, das nações onde eles têm uma presença, são concebidas.

Insistimos. Esta é uma lista de hipóteses e não um glossário, pois sabemos que o sistema de arte não exibe-se de forma homogênea ou prescritiva. Hipóteses porque, na medida que aprendemos, modificamos nosso conhecimento, os lugares onde trabalhamos e os possíveis relacionamentos. As hipóteses são ferramentas para compreendermos a nós mesmos, para tomar decisões e avaliar as nossas possibilidades e capacidades.

1. Há uma diferença entre artista, coletivo de arte e gestão de arte. O primeiro leva adiante seu próprio desejo a partir da transformação material através de meios materiais. O coletivo de arte realiza o desejo que têm construído entre as pessoas envolvidas nele. A gestão de arte torna possível o desejo de um outro7. Isto é, entendem esse desejo em seus próprios termos, proporcionando -através de sua conceituação e discussão- a mediação necessária com outros interesses do campo da arte. Além disso, a gestão de arte visa os seus efeitos, e as conseqüências desejadas.

2. Porqué gestões de arte contemporânea e não de arte ou cultura em geral? Porque eles têm diferentes especificidades e de eles se desprendem as particularidades nos modos de interpretação dos objetos, práticas e relações. Propomos que a arte e a cultura operam no âmbito das noções consensuais -que podem ser revistas na contingência- e que a arte contemporânea funciona no âmbito da divergência8 como capacidade crítica da cultura.

3. Quais são as diferenças entre gestões autônomas e gestões institucionais? A primeira e mais óbvia está relacionada a questões econômicas: as instituições (a maioria deles) têm orçamentos anuais e as gestões autônomas, em geral, trabalham com orçamentos para cada projeto. Outra distinção importante é a forma como eles estabelecem e negociam a sua linha editorial. Dentro das gestões institucionais cabem os conceitos de “curador de serviço” e “curador produtor de infra-estrutura”9 -apresentados por Justo Pastor Mellado- que ajudam para entender como eles implementam ou facilitam as linhas editoriais que organiza cada instituição e seus procedimentos. Nas gestões autônomas, a linha editorial é seu próprio objeto de pesquisa que é realizada através de diferentes experiências e debates públicos. Portanto, as normas são mais fracas e menos prescritivas, suas eficiências são diferentes, a sua imaginação é volátil e inconstante.

4. O que tem por objetivo as gestões autônomas? Nós entendemos que existem várias aspirações que vão desde o desenvolvimento de carreira até a produção de conhecimento e de relações -sociais ou de influência dentro do campo da arte-. No entanto, uma distinção deve ser feita entre as gestões proto-institucionais e pro-autônomicas, pois há aqueles que enfatizam a sua consolidação como instituições -por meio de ações e convênios- e usam a autônomia como um passo de sua institucionalização; enquanto os segundos se concentram em maneiras de fazer e pensar o que se entende como arte. Claramente eles não são excludentes.

5. Qual é a relação entre as gestões autônomas e cenas locais de arte? As cenas locais de arte, ao contrário das capitais de países ou das cenas hegemônicas, desenvolvem micro-políticas que permitem a construção de noções consensuais e comuns do que deve ser entendido como prática artística e sua função social. Além disso, eles criam (envolvendo ou comprometendo a cada um) determinados critérios e parâmetros de avaliação.

As cenas locais não são isentas de tensões e disputas sobre a amplo arco que vai desde a capacidade de nomeação legítima até a circulação financeira. Muitas gestões autônomas surgem como uma maneira de reparar deficiências nas suas cenas, em relação a visibilidade, difusão, escritura de textos, produção e montagem, entre outros. Alguns deles, eventualmente, alcançam a independência destes pontos fracos ou os transformam no seu próprio capital simbólico.

6. Independência, autônomia ou co-dependência? Nós pensamos que a “independencia”, como anuncia a palavra detém tanto a dominação quanto a correlativa emancipação. Ora, não acreditamos em qualquer autoridade para nos libertar”10. O que temos percebido é que as gestões autônomas dependem das cenas locais de arte, enquanto, ao mesmo tempo, elas têm a capacidade de alterá-las. Elas também dependem dos acordos estabelecidos com outras gestões (a nível local ou internacional) e -por meio de relacionamentos afetivos e eficazes- são capazes de criar acordos táticos e alianças estratégicas.

7. Qual é a relação entre as gestões autônomas e as políticas públicas para a arte e a cultura? Ao contrário das políticas públicas -que estão centralmente desenvolvidas e aplicadas localmente- as gestões autônomas -devido a sua proximidade com os fenômenos sociais locais- podem gerar intervenções artísticas e discursivas específicas e, assim, critérios específicos para sua avaliação qualitativa e quantitativa. No momento da diferenciação dos seus diagnósticos, planos e programas de aqueles que são nacionais, estas iniciativas atingem sua autônomia financeira e editorial e podem sobreviver cortes no orçamento e a discriminação (mesmo a positiva), agindo em contra-ciclo. Algumas delas estão relacionadas com as políticas públicas com “projetos de cavalo de Tróia”. Isto é: projetos descritos sobre os termos necessários, mas que pretendem outras influências sobre a cena local.

8. Finalmente, por qué precisamos de tais distinções e porqué temos que adotar as posições que eles exigem? Principalmente por causa da falta de distinção entre estes conceitos, se reproduz a bagagem ideológica que ajudaram na sua construção e isso nos subordina, e bloqueia a comunicação entre aqueles que pensam e avaliam as suas experiências como uma forma de conhecer e de relacionarmos. E porque a desidia aprendida sobre as distinções sempre favorece e reforça as relações de poder pré-existentes.

Para concluir: no início dissemos “hipótese”. Cada uma delas são breves declarações que estamos testando em diferentes ações, porque acreditamos que a teoria e a prática são inseparáveis. As consequências eventualmente virão a ser (ou não) válidas.

O estado de “estar fazendo” nos faz acreditar em uma autônomia de ação e toma de decisões. Acreditamos no desenvolvimento conjunto de coincidências, na liberdade que nos dá a dissensão e, acima de tudo, acreditamos nas pessoas, em suas predisposições e predileções, em seu tempo, nos seus interesses comuns, bem como nos divergentes.

Acreditamos que podemos construir um fórum de discussão que nos permitirá compreender as diferenças e viver com elas de forma produtiva para a arte contemporânea, a política e a sociedade.

Jorge Sepúlveda T.
Curador Independiente
Ilze Petroni, Ph.D.
Investigadora de Arte

NOTAS

  • 1 Texto escrito para a publicação de SACO II. Abril de 2014. Disponível no https://issuu.com/colectivosevende/docs/saco2/.
  • 2 Mais informações em www.trabajadoresdearte.org.
  • 3 SACO – Semana de Arte Contemporânea é organizada anualmente na região de Antofagasta, no Norte do Chile pelo coletivo SE VENDE Plataforma Móvel de Arte Contemporânea, sob a direção de Dagmara Wyskiel e o produtor Christian Núñez. Seu objetivo é estabelecer um núcleo permanente de reflexão, crítica e diálogo através da obra de arte em um território caracterizado pela inexistência de instituições que se dedicam a perseguir esses objetivos.
    SACO opera em dois pontos da região: Parque Cultural Huanchaca na cidade de Antofagasta e no Lugar Mais Seco da Terra, o oásis Quillagua, localizado a 280 quilômetros da cidade, no meio do deserto e reconhecidos pela NASA como o assentamento humano mais seco no planeta.
    Cada edição do SACO conta com um ponto de vista particular e características únicas. Desta forma, os solos a ser escavados são renovados anualmente, evitando o esgotamento dos recursos nos sites. (Texto: Cortesia de SE VENDE Coletivo de Arte).
  • 4 O CCEBA – Centro Cultural de Espanha de Buenos Aires foi fundado em 1989.
  • 5 O orçamento espanhol para a barcelonização da cultura foi administrado pela AECID – Agência Espanhola de Cooperação Internacional. Mais informações em www.aecid.es.
  • 6 Empresas multinacionais como Telefónica Espanha (e suas subsidiárias latino-americanas), Itaú Cultural, etc.
  • 7 A hipótese de “O Desejo de Outro” foi o nome e o tema de discussão para a Residência de Arte Contemporânea sobre gestões autônomas de arte contemporânea. A residência foi produzida com a colaboração de Sofía Dabarca e teve a participação de 25 residentes. Foi realizada em La Pedrera (Uruguai) em maio de 2013. Mais informações e equipe: www.curatoriaforense.net/ _residencias / eldeseodeotro.
  • 8 Para discutir e testar esta hipótese organizamos a Residência de Arte Contemporânea de “Concordar / Discordar” em Morelia (México). Foi realizada em outubro de 2013 com a colaboração de Juan Carlos Jiménez Abarca e do Museu de Arte Contemporânea “Alfredo Zalce”. Mais informações e grupo de trabalho em www.curatoriaforense.net/_residencias/consensuardisentir.
  • 9 Por esses conceitos, consulte o site do Justo Pastor Mellado em www.justopastormellado.cl/edicion/index.php?option=content&task=view&id=680.
  • 10Jorge Sepúlveda T. e Ilze Petroni (2011): “Autônomos, não independentes”. Postado em 7 de novembro de 2011, em www.curatoriaforense.net/niued/?p=1215Republicado em Encontro de Gestões Autônomas de Artes Visuais ContemporâneasCórdoba: Curatoría Forense. 2013.

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